. Título: Niketche – Uma História de Poligamia | . Autora: Paulina Chiziane | . Editora: Companhia de Bolso | . Grupo Companhia das Letras | . Ano: 2021 | . 293 Páginas | . Literatura Estrangeira - Moçambicana | . 5 ★❤ 

 

   Olá pessoal!

   Começo a minha opinião dizendo... Que Livro! 

   Publicado pela primeira vez em 2002, Niketche: Uma História de Poligamia, escrito pela autora Paulina Chiziane, conta a história da Rami, uma mulher moçambicana que vive com seus cinco filhos em Maputo. Ela está casada há vinte anos com Tony, um comandante da polícia de Alto escalão. Por causa das inúmeras ausências de Tony em casa, Rami considerava seu casamento um pouco solitário, mas nunca deixou de ser fiel ao marido. Sempre tentando ser uma boa esposa, uma dona de casa dedicada e fazendo todos os caprichosos do marido como mandava a tradição de Moçambique, Rami sentia-se desamparada pela ausência de Tony. Após ficar sabendo do acidente banal que o caçula de Rami provocou na rua, ao danificar o vidro do carro de um homem e precisar resolver a situação sozinha, Rami se sentiu confrontada com a sua dependência perante ao Tony.

  Acontece que este acidente trouxe para a vida de Rami a descoberta que Tony é polígamo, pois Rami precisou ficar frente a frente com Julieta, a segunda mulher de Tony que morava em Inhambane. Quando Rami decidiu bater na porta da Julieta completamente brava atrás de Tony, não imaginava que Julieta tinha cinco filhos e estava grávida de sete meses. Todos filhos de Tony. Naquele dia, elas brigaram e trocaram vários insultos, mas depois Rami e Julieta tiveram uma conversa franca e Rami percebeu que Julieta vivia numa situação precária com pouca ajuda de Tony e pior, nenhuma proteção legalmente jurídica para ela e seus filhos. Entretanto Rami ficou surpreendida ao saber pela Jú que Tony não andava frequentando a casa dela há meses e provavelmente tinha mais uma mulher na vida de Tony. Não demorou muito para Rami descobrir a existência da terceira mulher de Tony.

   Da mesma forma que bateu na porta da casa de Jú, Rami também procurou Luisa, a terceira mulher de Tony, em Zambézia. Entretanto o primeiro contato de Rami com a Lú foi bastante violento, superando a briga da Rami com Julieta. Rami e Lú chegaram ao ponto de uma agredir a outra e ambas acabaram presas depois que a polícia foi chamada pelos vizinhos de Luisa. Contudo ao conversar com a Lú enquanto estavam presas, Rami percebeu que Luisa tinha uma cultura mais liberal por ter sido criada ao norte de Moçambique, onde a poligamia ainda é uma prática aceitável. Acontece que Tony também andava ausente na casa de Lú e não demorou para Rami descobrir informações sobre Saly, a quarta mulher na vida de Tony, localizada em Nampula. Assim que conheceu Saly, descobriu a quinta mulher de Tony, chamada Mauá Saulé, que morava em Cabo Delgado. A cada descoberta de uma nova mulher Rami acaba confrontando com elas, porém era uma situação que estava fazendo Rami ficar decepcionada e sentindo-se rejeitada pelo marido.

   Não era uma situação fácil de lidar, pois Rami imaginava que era a única mulher na vida de Tony. Depois de acusações, discussões e até agressões, Rami conseguia uma reconciliação com as outras mulheres de Tony, mas a aflição de saber que seu marido tinha outras mulheres, fazia Rami questionar sua própria identidade. Entretanto, Rami logo começou a perceber que cada uma das mulheres envolvidas com Tony, não eram suas rivais, mas na verdade, eram vitimas de Tony. Ele era único que estava aproveitando da situação e alguma providência precisava ser tomada perante elas. Comovida com a história de cada uma, Rami decidiu reuni-las, sugerindo a ideia de legalizar Julieta, Luísa, Saly, Mauá e seus filhos, na prática tradicional da poligamia para que todos fossem reconhecidos como membros da família de Tony. Primeiramente precisa apresentar essa enorme família extra conjugal de Tony para outros membros da família de Tony, que até o momento, não sabiam e durante o aniversário de Tony que todos descobriram a verdade.         

   Niketche: Uma História de Poligamia é uma leitura impressionante. Confesso que nas primeiras páginas despertou meu interesse pela história, cada página lida foi dando mais vontade de descobrir as surpresas que a história tem para oferecer e finalizei o livro encantada com a escrita da Paulina Chiziane. Entrou na lista dos meus livros favoritos com facilidade, pois a narrativa em primeira pessoa faz com que o leitor crie um forte laço com Rami. Particularmente foi dessa maneira com aconteceu comigo, porque tive várias sensações ao acompanhar o passo a passo do amadurecimento e libertação, primeiramente da Rami e também, das outras esposas de Tony.  Por ser uma sociedade machista onde as mulheres são obrigadas a servir aos costumes e tradições que prioriza os homens, para meu espanto servir ao marido de joelhos, Rami foi uma personagem que cresceu muito como pessoa tornando-se uma mulher corajosa. A partir disso, Rami também ajudou cada uma das esposas de Tony tornar-se protagonista da própria vida. 

   As cinco mulheres romperam as dificuldades e conquistaram suas independências, principalmente financeira. Diante a descoberta das mulheres de Tony, a situação que foi colocada e acreditando que a melhor forma de garantir seus direitos e principalmente, das outras mulheres de Tony e seus filhos, Rami pesquisou sobre o casamento poligâmico e fez Tony legalizar toda a situação dando direitos legais e iguais às esposas e aos filhos, que por sinal são muitos. Se não me engano são dezessete filhos. Mas não foi uma tarefa nada fácil, pois Tony é um homem infiel que aproveitou da existência de uma cultura enraizada que favorece aos homens. Rami aceitou e passou por acontecimentos inacreditáveis e humilhantes. Mesmo tendo uma ótima escrita e bastante fluída, teve dois momentos que Paulina conseguiu me deixar chocada, pois Rami passou por acontecimentos que eu não teria coragem de enfrentar. Não vou dar spoiler, mas a história da moela e o trecho  que mostra a cultura que envolve uma viúva, é para  deixar qualquer leitor de boca aberta. Quem leu sabe perfeitamente do que estou falando.  

   Bom... Niketche: Uma História de Poligamia é um livro que vai fazer leitor discutir os atos dos personagens perante as tradições culturais e conservadoras de Moçambique, além dos temas contemporâneos do início ao fim da história. Pode ter certeza, Paulina dá voz a Rami e a personagem tem muito conteúdo para contar ao leitor. Atualmente é uma obra que está na lista de leituras obrigatórias da Unicamp 2024 e 2025, mas é uma leitura que vale a pena lê-la mesmo que não vá prestar vestibular. Primeiramente porque é uma obra maravilhosa  que incomoda, mas ao mesmo tempo, bem humorada e delicada. Eu terminei batendo palmas para Rami e  querendo abraçar a Paulina Chiziane. Além disso a editora Companhia das Letras optou por manter o português de Moçambique. Isso deixou os traços e as metáforas da Paulina Chiziane no original. Enfim, se ainda não leu Niketche: Uma História de Poligamia, leia e prepara-se, porque é uma obra inesquecível.

 

“O tempo passa, e um dia todas seremos esquecidas. Cada uma de nós é um ramo solto, uma folha morta, ao sabor do vento – explico. – Somos cinco. Unamo-nos num feixe e formemos uma mão. Cada uma de nós será um dedo, e as grandes linhas da mão a vida, o coração, a sorte, o destino e o amor. Não estaremos tão desprotegidas e poderemos segurar o leme da vida a traçar o destino.”

 

   Sobre a autora:

   Paulina Chiziane nasceu em Manjacaze, Moçambique, em 1955. Estudou Linguística na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo (capital do país), mas não concluiu o curso. Atualmente vive e trabalha na província de Zambézia. Ficcionista, publicou vários contos na imprensa portuguesa e moçambicana. Ganhou notoriedade e projeção em seu país ao publicar o primeiro romance moçambicano escrito por uma mulher, com o livro "Balada de Amor ao Vento" de 1990.  Criadora de enredos impecáveis, Chiziane afirma: "Dizem que sou romancista e que fui a primeira mulher moçambicana a escrever um romance, mas eu afirmo: sou contadora de estórias e não romancista. Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte." Venceu o prêmio Camões de 2021.

 

   Beijos e até a próxima!