. Título: O Berço do Herói  | . Autor: Dias Gomes | . Editora: Bertrand Brasil | . Ano: 2015 | . 6ª Edição | . 154 Páginas. Literatura Brasileira | . 5

 

   Olá pessoal!

   Demorei, mas retornei para escrita de Dias Gomes para conhecer a versão literária da história que inspirou a novela Roque Santeiro, escrita pelo próprio Dias Gomes que acompanhei a reprise no Canal Viva que foi transformado em Globoplay Novelas. Roque Santeiro terminou dia 5 de Julho e antes de trazer minha opinião sobre a novela, decidi ler O Berço do Herói, que é uma peça teatral escrita em 1963, porém foi interditada pela censura no Brasil por cerca de vinte anos e sua primeira encenação ocorreu nos Estados Unidos em 1976 no Teatro The Playhouse.

    Na peça, a história se passa numa região  próxima à Salvador, na cidade fictícia chamada Cabo Jorge. Este ano essa leitora aqui, está colocando os pés na Bahia com força total. Estou ficando com água na boca só de pensar no acarajé... Mas voltando a história. Esta cidade teve o nome trocado para Cabo Jorge por causa do militar, Cabo Jorge Medeiros, que pertenceu a Força Expedicionária Brasileira do 6° Regimento de Infantaria, que morreu em confronto direto com nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Para homenageá-lo, Cabo Jorge foi transformado no símbolo da coragem e do espírito de sacrifício dos homens, ganhando uma estatua na praça central da cidade e sendo elevado ao posto de herói. A história começa neste ponto, com a inauguração do monumento a Cabo Jorge, com a população aglomerando em volta do pequeno palanque que estava a viúva Antonieta, o Major Chico Manga, o Vigário da igreja Católica chamado de Padre Lopes e o Prefeito Silveirinha.

    Enquanto o Major está discursando, o leitor consegue compreender como a cidade natal de Cabo Jorge foi modificada num ponto turístico importante, onde a economia se desenvolveu na exploração do mito Cabo Jorge que atraiu jornalistas, cinegrafistas e principalmente, dos turistas de toda parte do Brasil. Por causa disso, a cidade fazia várias quermesses comemorando data de nascimento, data de morte, data da primeira comunhão do Cabo Jorge. Entretanto, chega à cidade um homem que fica surpreendido com a estatua do Cabo Jorge na praça e acaba pedindo informações sobre Chico Manga para Matilde, dona do bordel da cidade, que vinha da casa de viúva Antonieta. Por indicação de Matilde, o homem foi procurar Chico Manga na casa de Antonieta, porque ele visita muito a viúva de Cabo Jorge.

   Quando Antonieta abriu a porta para o homem misterioso, ela foi tomada de espanto. O homem misterioso que estava na sua frente era o Cabo Jorge que havia retornado a sua terra natal são e salvo e Antonieta era viúva de homem que nunca tinha morrido. Cabo Jorge também estava surpreso, pois não imaginava que estava indo procurar seu tio na casa da mulher que teve um rápido envolvido com ele, no passado, quando morava numa república de estudantes em Salvador e pouco antes de ser convocado para o exército. A verdade é que Cabo Jorge não sabia nada do símbolo heroico que foi criado em cima dele e como Antonieta era sua conhecida, acabou dormindo na casa dela.

   Acontece que a verdade sobre os acontecimentos com o Cabo Jorge durante a guerra e seu retorno à cidade como um cidadão vivo, iria trazer prejuízo aos poderosos, principalmente, à cidade que iria decretar falência. Iria perder todo prestigio de cidade turística do herói consagrado. Então Antonieta, o Vigário e o Prefeito ficaram vigiando Cabo Jorge enquanto Chico Manga decidiu ir ao Rio de Janeiro e se comunicar com o Exército para buscar uma solução, pois a volta de Cabo Jorge também iria ridicularizar o exercito. Afinal o Cabo Jorge fora um covarde durante a guerra e assim, Chico Manga retornou do Rio de Janeiro acompanhado do General que tinha sido comandante do Cabo Jorge.

    É o meu segundo contato com a escrita de Dias Gomes e mais uma vez, fiquei surpresa com uma história cômica e cheia de criticas em relação à hipocrisia.  Não sei explicar direito, mas a escrita de Dias Gomes tem um sabor especial que sem perceber ficou envolvida nas primeiras páginas. A presença do herói representativo em Cabo Jorge (cidade) é tão importante que a presença física do Cabo Jorge ( protagonista )  tornou-se perigosa para os membros importantes da sociedade daquela região. Em benefício próprio de cada personagem contribuiu para o desfecho do Cabo Jorge. O Prefeito lucrava com o comércio.

    O Vigário e a cafetina Matilde queriam continuar com seus planos turísticos, explorando a fé com quermesses e vendas de medalhas do Cabo Jorge e aos excessos prazerosos no Castelo de Matilde ou nos faturamentos dos cassinos abertos dentro dos hotéis pela cidade. O Major Chico Manga não ficou para trás. Estava focado no projeto da estrada asfaltada que iria ligar diretamente a cidade com Salvador por ser um deputado, mas a estrada estava valorizando suas terras como fazendeiro. Até Antonieta que conheceu Jorge antes de ser Cabo Jorge, desejava continuar com seu status de viúva do herói da cidade, pois os benefícios eram maiores para ela.

    Os interesses em torno da morte do Cabo Jorge  eram altos e lucrativos para o progresso econômico da cidade e superava o poder de uma escolha individual. A única vontade de Cabo Jorge era voltar para sua cidade e seguir com sua própria vida, porém seu ato de covardia no passado foi interpretado como desmoralização para  alguns membros do exercito e o Cabo Jorge tinha que permanecer morto para manter a falsa moral do herói. Desconstruir a figura heroica e cheia de bravura do Cabo Jorge para uma figura humana simples que teve um ato egoísta de fugir da guerra por medo, significava o retrocesso para cidade. A verdade não tinha valor  e Cabo Jorge tornou-se refém da mentirada para o plano da elite da cidade continuar prosperando.

    Enfim, O Berço do Herói é uma leitura maravilhosa. O leitor consegue ler em um dia tranquilamente por causa do texto fluido, mas aconselho que leia mais devagar, porque a peça teatral faz refletir sobre egoísmo, conflitos sociais e conduta de caráter. Caso tenha curiosidade de conhecer a história original de Roque Santeiro ou simplesmente conhecer a escrita de Dias Gomes, deixo a dica para ler O Berço do Herói e o Pagador de Promessas que também li e contém uma história sensacional. Não vejo a hora de cair de paraquedas na próxima história criada por Dias Gomes. 

 

Confira todas as resenhas sobre O Berço do Herói ou Roque Santeiro.

 

“... ninguém constrói uma estrada sem sacrificar muitas vidas. É paga do progresso.”

 

    Sobre o autor:

   Alfredo de Freitas Dias Gomes, mais conhecido pelo sobrenome Dias Gomes, foi um romancista, dramaturgo, autor de telenovelas e membro da Academia Brasileira de Letras. Nasceu dia 19 de Outubro 1922 em Salvador e faleceu aos 76 anos em um acidente de trânsito no dia 18 de Maio 1999. Foi um dos mais premiados dramaturgos brasileiros do século XX. Muitas de suas obras foram readaptadas para TV e o cinema. Também é conhecido pelo seu casamento com a escritora Janete Stocco Emmer conhecida como Janete Clair.

 

Beijos e até próxima!